domingo, 13 de março de 2011

Meados de Julho


Clarisse fechou os olhos bem forte e os abriu novamente, ainda estava tudo distorcido daquele jeito que vemos as coisas quando acabamos de acordar. Abriu a janela e se apoiou observando o céu, o balançar das árvores e uma folha que se desprendeu da árvore e saiu voando, dançando pelo azul do céu e foi caindo. Clarisse seguia a folha com o olhar enquanto a mesma foi descendo e formando desenhos no ar até que tocou o asfalto do outro lado da rua na direção de sua casa. Clarisse ainda olhava a folha, com o pensamento já no vigésimo assunto desde que a mesma se soltou.
Havia um menino sentado na calçada conversando com outros três ou quatro garotos, ali, bem em frente a folha. Ele esticou a mão e pegou-a segurando pelo cabo. Começou a rodá-la, como um tique, um movimento de mãos despercebido, enquanto se entretinha com a proza. Clarisse notou o menino e, por alguns segundos ficou ali, debruçada no parapeito da janela imaginando sobre o que estariam conversando, como seriam suas vidas, suas histórias... Era um jogo fascinante para Clarisse que gostava de fazer desde criança: olhar pessoas aleatórias em todos os lugares e imaginar o porque de estarem ali, o porque de se vestirem como se vestiam, de falar como falavam, de onde teriam vindo, como seriam suas casas, com quem moravam, se gostavam de animais, quais seriam seus últimos pensamento antes de dormir, quais seriam seus nomes.
O menino ainda segurava a folha agora gargalhando animado com os amigos, o que atiçava ainda mais a curiosidade de Clarisse. "Estaria ele fazendo planos? Será que estudava por ali? Trabalhavam ali perto? Estariam somente visitando um parente? Eram apenas amigos ou seriam irmãos?.

- Clariiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiisse! Clarisse, levante-se que já são 10 e meia passada. - Era sua mãe que gritava histéricamente da sala.
O som interrompeu o pensamento de Clarisse que voltou os olhos na mesma hora para o relógio: ainda não era nem 10 horas. Riu e começou a fazer os rituais matinais para descer e juntar-se a mãe para o café.


- Mãe, ja teve vontade de se mudar para um lugar que não conhecesse nada e ninguém? - Sim Clarisse, já quase mudei para o interior quando tinha pouco mais que sua idade.
- Não mãe, você tinha tios por lá.. Eu digo mudar para um lugar totalmente desconhecido, onde não se saiba nada de muito concreto, nenhuma pessoa, assim, ir sozinha mesmo.
- Clarisse, você é muito nova para querer uma mudança radical de vida.
- Não é isso. Penso que nascer em um único lugar é muito pouco, crescer com as mesmas pessoas, falar a mesma língua a vida toda, ter tudo planejado como que num script de novela onde certas pessoas nunca se encontrarão mesmo que se esbarrem centenas de vezes jamais sequer trocarão um olhar, uma palavra. Eu não acho que isso seja suficiente, parece que somos uma espécie de marionete que não pode deixar o cercadinho.
- Clarisse, você anda assistindo filmes demais.
- Você não entende mãe, o mundo é tão grande, tão cheio de vida e de novas paisagens e novas pessoas, novas línguas, culturas, lugares para se conhecer, coisas para fazer, conhecimento para adquirir. Eu não consigo deixar de pensar que se sigo um caminho estou deixando de seguir um milhão de outros.
- A vida é feita de escolhas, filha. Terminei meu café, você está muito filosófica hoje, vá se vestir e ir estudar, vai. - E foi para o quarto deixando Clarisse sozinha com seus pensamentos.
- Não se trata de escolhas, mas de achar que talvez a vida seja curta demais para se aproveitar, assim, um milésimo de tudo o que deveria ser obrigatório. - E seguia Clarisse totalmente envolvida em seus pensamentos. - Aquela coisa de plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho, se eu pudesse completar acrescentaria tomar banho na maior cachoeira que puder encontrar, entrar no mar pelo menos uma vez na vida pelado, ver o sol nascer e se pôr em pelo menos 20 lugares diferentes, salvar um animal, adotar uma criança, ajudar alguém a mudar de vida de alguma forma, conhecer culturas diferentes, pegar uma lagartixa na mão só pra saber que ela não é gelada como todo mundo diz, atravessar um rio sobre uma árvore deitada ligando as margens, abrir os braços na chuva e deixar a água cair sem se preocupar com a roupa seca ou o celular no bolso ou em pegar ônibus pingando, deitar na grama e olhar as estrelas, pintar um quadro, se apaixonar por um homem, por uma mulher, por uma profissão, por um sonho, por um ideal, saltar de pára-quedas, dirigir cantando bem alto, aprender a andar de bicicleta, pois nada tem a mesma sensação que isso, dançar quando não há música nenhuma tocando, tentar conversar com uma pessoa que não sabe a sua língua e que você também não sabe a dela, correr como se fugisse do seu maior medo, participar de pelo menos um grande ato, protesto, luta, pelo que se acredita, fazer um interurbano de duas horas de duração para aquela pessoa que você não pode dormir mais uma noite sem falar, mas sem se preocupar com a conta de telefone, aliás, despreender-se totalmente de dinheiro por uns tempos, falar eu te amo para as pessoas que realmente amar sem se envergonhar, mudar e não ter medo da mudança. Definir as coisas que se deve fazer antes de morrer em três atos é simplista demais, quiçá, vazio.
Clarisse terminou seu café, colocou sua xícara pia e voltou para seu quarto.
- Preciso de mais que isso, não sei o que quero, mas sei que não é isso.
Lembrou dos meninos conversando na calçada em frente sua casa e correu para a janela. Eles ainda estavam lá! Pronto, apoiou-se no parapeito e continuou seu jogo: o de blusa cinza parece chamar-se Marcos, sério e mantém as mãos sempre nos bolsos, parece incomodado. Esse de boné, humm, usa tenis de marca, óculos escuros, vou te chamar de André. - Nesse momento "André" começou a dar a mão para os demais, como que se despedindo e, puxou um outro menino, no qual deu um abraço mais forte. O coração de Clarisse acelerou. Esse menino que abraçava André era o... o... - Não, não pode ser! Sim, era o Pedro!

1 comentários:

Taly disse...

Vc escreve bem, menina! :) O texto prende a atenção.
Beijos